Um tipo de narrativa que
passei a gostar nos últimos anos foram as distopias. E o que me faz buscá-los é
o seu assustador retrato da realidade servindo de alerta (muitas vezes
ignorado) sobre os perigos que nos cercam em sociedade. Mas o que são
distopias?
Diferentes do mundo perfeito
e idílico apresentado na obra A Utopia (Thomas Moore) e referência a algo
ideal, as distopias nos apresentam um mundo cruel, totalitário, onde o homem
perde sua individualidade e liberdade. Muitas obras, durante o século XX,
tornaram-se referenciais nessa seara e quando olho para o que acontece no país
– e no mundo em muitos momentos – não consigo deixar de pensar que vivemos aqui
no Brasil numa assustadora distopia que abarca o enredo das principais obras do
gênero, como se essas fossem não um aviso e sim um manual.
Um primeiro exemplo é o
livro 1984, de George Orwell. Ambientado numa Londres no ano de 1984 cujo
governo está nas mãos do Grande Irmão, a população vive sob eterna vigilância,
num ambiente de total falta de privacidade e liberdade. Toda e qualquer
informação é controlada e a verdade é subjetiva, é usada ou criada por
interesse dos que detêm o poder. Nesse ambiente, até mesmo as palavras têm seu
sentido modificado através da Novilíngua, idioma criado a partir de
contradições e supressões de sentidos e expressões para que as pessoas pensem
de maneira confusa. Tudo é controlado por essa entidade, O Grande Irmão, e
ninguém se dá conta de que é controlado.
Aí, meu provável leitor vai pensar:
“qual a relação desse livro com o Brasil? ”. Explico. Ao pensarmos em leis como
o Marco Civil da Internet, pensar em como a informação e o sentido das palavras
e ideias são deturpados para defender uma ideologia, quando percebemos que
estamos nas mãos de uma entidade que deveria nos proteger e legisla contra a
população (STF) nos mantendo sob eterno medo e incompreensão, fica claro como
vivemos num mundo como 1984. Quando mentiras viram verdades e pessoas
subjugadas defendem com afinco os responsáveis por sua miséria – como o pai
preso denunciado pelos filhos e mesmo após ser agredido pelos representantes do
Estado ainda defende o Grande Irmão – e quando aqueles que tentam mudar esse
quadro sombrio são perseguidos, calados e até mortos, fica claro a realidade
distópica em que vivemos.
E quanto ao esvaziamento
cultural? Pensem na peça dos macaquinhos (aquela em que atores exploram os
orifícios alheios em cena), nas músicas cada vez mais pobres, nos programas
cada vez mais imbecilizados e afinados com uma agenda política disposta a
idiotizar a população no intuito de manter e aprofundar a realidade acima? A
cada dia, os que pensam por conta própria, os que buscam conhecimento, são cada
vez mais hostilizados, perseguidos. Essa ignorância coletiva planejada, esse
entusiasmo em vender livros para colorir, infantilizando adultos, essa produção
intelectual que trata adultos como crianças de 12 anos e que faz com que
qualquer pensador sério seja um proscrito nos centros acadêmicos está
diretamente ligada a outra obra distópica onde o conhecimento é proibido e a
ignorância é vista como a verdade maior: Fahrenheit 451.
Na obra de Ray Bradbury, o
conhecimento é perseguido. O papel dos bombeiros nessa sociedade é queimar
livros. As pessoas vivem em suas casas com telas que levam entretenimento vazio
para as pessoas enquanto aqueles que não se conformam com essa realidade, que
escondem livros em suas casas, são perseguidos por um Estado totalitário que
preza a ignorância do seu povo. Nesse caso, a escravidão do povo – diferente de
1984 – é pelo saber, ou ausência dele. Por desconhecer, o povo é dominado e a
máquina estatal usa sua infraestrutura para que continue assim. E essa
ignorância, esse entretenimento vazio e deturpação do sentido das coisas, essa
distorção de valores morais, leva-nos a outro traço em nossa sociedade que me
faz crer que vivemos numa distopia.
Muito foi falado das
ocupações escolares em algumas cidades brasileiras. Da mesma forma, fala-se
muito de como os mais jovens se tornaram cada vez mais desinteressados e
irresponsáveis. Como professor, sou um ferrenho crítico do ECA e de outras leis
que protegem jovens indisciplinados ou criminosos. Essas leis criaram uma
geração que não respeita a autoridade, não valoriza preceitos morais, ignoram a
importância de se adquirir conhecimento. São crianças mimadas criadas por
adultos incapazes de puni-los por força de lei.
Essa geração totalmente
violenta e desrespeitosa não diferente em nada dos protagonistas de Laranja
Mecânica, outra distopia que serve de parâmetro para olharmos o Brasil. No
livro, adolescentes enveredam pela delinquência, pais são incapazes de conter
seus filhos e as ruas passam a ser dominadas por hordas de garotos arruaceiros
que não respeitam nada nem ninguém. Num mundo onde o Estado cria leis que
inibem a autonomia dos pais, o protagonista Alex torna-se um marginal violento
sendo preso e torturado diante da impotência de seus pais de o educarem. A cada
turba de crianças que invadem os ônibus na saída das escolas pichando,
gritando, atrapalhando a ordem e depredando patrimônio alheio por puro prazer,
fica difícil não lembrar de Alex.
Ainda é possível pensar em
mais uma obra ou duas obras. O hedonismo desmedido, por exemplo, a banalização
do sexo através de músicas e programas de TV, a busca pelo eterno prazer que
leva a uma ditadura da felicidade onde todos devem ser felizes a qualquer preço
está no mesmo grau de prisão prazerosa descrita em admirável Mundo Novo.
Enquanto nas obras acima mostrarem um mundo opressor, privando o homem de sua
liberdade pela opressão estatal ou ignorância mantida pelos que estão no poder,
no livro de Huxley, a privação da liberdade é mais perigosa por se travestir de
liberdade. Esse mundo libidinoso de eterno prazer embota os sentidos fazendo
com que todos pensem que são livres, mas se tornando escravo de seus prazeres e
esse estado de coisas mantido de forma deliberada pelo governo.
Até mesmo as obras de ayn
Rand (faladas aqui nos dois últimos artigos http://meindicaumlivro.blogspot.com.br/2016/07/quem-vai-parar-o-motor-do-mundo-quem-e.html e http://meindicaumlivro.blogspot.com.br/2016/07/a-nascente-e-o-legado-do-homem-ideal.html) possuem um ar de profecia ao
olharmos as decisões tomadas pelos 13 anos de governo petista levando a nossa
economia ao colapso que nos encontramos hoje. Tanto uma obra quanto a outra
mostram como um grupo de formadores de opinião pode ser manipulado para
defender uma ideia destrutiva sem que tenha a noção de que estão sendo
manipulados (A Nascente) ou como decisões desastrosas podem levar a uma queda
profunda de produtividade e dilapidação da riqueza, um estrangulamento daqueles
que empreendem levando o país a uma quebradeira generalizada.
Muitos são os exemplos de
obras que podem nos fazer entender o nosso mundo, mas as distopias de forma
geral servem para abrirmos os olhos para os perigos de certas posturas daqueles
que governam e devem ser sempre leituras obrigatórias para aqueles que lutam
pelas suas liberdades e por um mundo onde esse tipo de narrativa seja apenas
isso: uma narrativa. Até a próxima.
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