Pode um livro, ambientado em
um hospício no interior dos EUA, ser uma metáfora política sobre a democracia e
a força do indivíduo sobre a força do sistema? É o que veremos no livro da
semana, Um Estranho no ninho, começando uma série de Best-Sellers que viraram
clássicos no cinema e na Literatura.
Escrito por Ken Kessey e
publicado em 1963, o livro foi adaptado por Milos Forman em 1975. O autor foi
um dos grandes divulgadores do uso de LSD nos anos de 1960 e baseou a história
em suas experiências e conversar adquiridas no período em que trabalhou como
estagiário num hospital psiquiátrico.
Não farei comparações entre
a obra e a película – apesar de me decepcionar um pouco com o filme – mas na
minha visão sobre como o texto pode ser uma metáfora sobre questões políticas
tão atuais e discutidas atualmente.
A história narra a chegada
do presidiário McMurphy. Trapaceiro, violento e viciado em jogos de azar, vai
transferido para instituição alegando ter perfil psicótico. Na verdade, sua
intenção é fugir dos trabalhos na penitenciária. Sua chegada e estadia é
narrado por Bromden, nativo filho de uma branca com um índio que sofre de
esquizofrenia e se faz de surdo-mudo. Como Bromden passa os dias a varrer a
enfermaria ele se torna o condutor do embate entre McMurphy e a
enfermeira-chefe do setor.
A sua jornada ao acompanhar
o novo paciente e sua aproximação e amizade com ele faz com que aos poucos o
índio comece a curar-se de sua doença. Isso fica perceptível com o desenrolar
da trama: no início permeada de delírios e a descrição de uma névoa densa que é
sua patologia; com o avançar da trama, graças as ações do prisioneiro, essa
névoa se dissipa e o chefe índio volta a perceber o mundo com mais clareza.
E o que esse livro tem de
político? Bem, explicarei. Há o antagonismo entre a enfermeira chefe da
enfermaria e McMurphy. Ela é descrita como alguém impecável e eficiente, que
faz a “máquina” funcionar como um relógio suíço. Ela administra sua enfermaria
com um sorriso congelado no rosto e um rigor por ordem e disciplina mantendo os
pacientes omissos e presos a seus medos – que ela conhece bem e usa para
controlá-los. Então chega alguém que
simplesmente subverte a ordem. Alguém que não se rende a qualquer ordem, que
mantém seu individualismo e sua personalidade intocáveis.
Essa personagem é a
representante e representação do Estado. Seu discurso visa a todo momento o
coletivismo, todos devem abrir mão de seus anseios individuais em prol do bem
comum, assim como é o discurso de muitos governos (inclusive e principalmente o
nosso). McMurphy é o contraponto.
Ele luta para manter o que acredita. Usa seu talento com jogos e truques e
começa a lucrar em cima dos outros pacientes, porém em nenhum momento negando
que essa é sua intenção. E na sua luta para manter sua individualidade vai
mostrando o quanto os outros são manipulados por essa força – que não é tão
forte assim – e mostrando que cada um deve ser o que é e que não deve deixar
ninguém controlar o que o faz único.
No fim, o sistema vence,
McMurphy é dobrado, a enfermeira-chefe usa a “máquina” para derrota-lo, usa o
poder coercitivo instituído para mantê-lo sobre controle sem abrir mão de
alguma violência, entretanto, a mensagem que fica é que, por mais forte que
seja o sistema, mais opressor, cada um deve responder por si e para si e esse
sistema não onipresente e infalível, que a Liga, como diz Chefe Bromden, também
pode ser derrotada por alguém que sabe quem é e o que quer e que, seguindo o
regulamento e visando seu lucro pessoal sem enganar ninguém pode ser
responsável por si mesmo. Mostra que qualquer ação, independentemente de onde
venha tem um interesse por trás, como ouvi certa vez: “não existe almoço grátis”.
E essa é a dica da semana. Até a próxima.
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