Neste final de semana, 191
mil estudantes estarão impedidos de fazer o ENEM – para muitos, a maior
oportunidade de suas jovens vidas até aqui, a chance que ingressarem num curso
superior e melhorarem de vida. E serão impedidos devido às ocupações que vem
ocorrendo por todo o país (mais especificamente em Estados que se opuseram em
algum momento ao governo que saiu) em escolas públicas promovidas por alunos
que se declaram apartidários e que lutam por uma melhor educação.
Não vou me ater ao paradoxo
irônico que essa turba profere. Na verdade (e é do que pretendo tratar), desde
que essas invasões começaram, em 2015, não pude evitar a comparação com o
sentido de uma obra que li há muitos anos, antes de entrar na faculdade e que
rememoro toda vez que vejo a ordem das coisas sendo invertida e sendo promovido
o caos. Sim, a obra é Frankeinstein, e, não, não enlouqueci, como pode achar o
leitor dessas mal traçadas linhas.
O que me remete ao livro de
Mary Shelley é justamente o ponto que levou a essa insanidade no país: a
subversão da ordem natural, um espírito jovem e imprudente tomando as rédeas de
algo que não lhe compete, a arrogância juvenil de não aceitar os fatos como são
ou como devem ser e, de forma caprichosa e mimada, tentar desenhar o mundo à
sua imagem e semelhança – algo barulhento e imprudente.
No livro, temos a história
do jovem Victor Frankeinstein. Rico, com uma família feliz e estrutura, uma
noiva que o ama e aspirante a médico, uma vida sem atribulações ou sustos. Ao ingressar
na Universidade de Viena, toma contato com uma teoria de um de seus professores
que o impacta bastante: o uso da eletricidade para reavivar mortos. Como todo
jovem estudante, fica empolgado com essa teoria tão inusitada e passa a assistir
as aulas desse docente.
Tudo ia bem até que a tragédia
bate à sua porta e sua amada mãe morre. Não suportando a dor da perda e
tentando vencer a morte de uma vez por todas, o rapaz retorna ao seu quarto em
Viena, debruça-se sobre os estudos desse professor e tenta trazer à vida um
homem criado a partir de cadáveres. Depois de profanar túmulos, isolar-se de
todos e chegar à beira do precipício da insanidade, ele consegue dar vida a um
ser grotesco, abjeto e assustador composto por partes de corpos mortos. Victor
fica assombrado com o que criou e foge, deixando sua criatura recém acordada
dos mortos à própria sorte.
O monstro sobrevive, e com o
avançar da narrativa vai tomando consciência do que é e quem o criou. Determinado,
vai atrás de seu “pai” para que o reconheça como sua criação e ao ser rejeitado
por Frankeinstein ele promove uma carnificina em sua família matando pai,
irmão, noiva, deixando atrás de si um rastro de morte e miséria. Na narrativa
Victor é consumido por seu maior pecado: subverter a ordem natural, sua
desgraça é a criatura que trouxe ao mundo por não aceitar as leis naturais e o
preço a pagar foi a sua aniquilação pelas mãos do monstro que criou.
E é assim que eu vejo esses
jovens militantes. Assim que eu vejo essas invasões. São pequenos Victors
insuflados por professores irresponsáveis que os ensinam que a ordem natural
deve ser subvertida e negligenciados por pais omissos e permissivos que criam
pequenos tiranos incapazes de lidar com frustrações e a ordem estabelecida. São
alçados à categoria de engenheiros de um novo mundo, os baluartes da nova era e
são instigados com teorias espúrias de caos e miséria. Assim como Victor Frankeinstein,
a arrogância desses meninos e meninas levam-nos a atos impensados que causam
mais danos que benefícios.
Olhando as escolas ocupadas
é possível perceber o poder destruidor desses garotos. O monstro que vai
devorando o patrimônio público, as vidas desses jovens e os que são
prejudicados por eles é incomensurável. Da mesma forma que a família
Frankeinstein foi uma vítima da vaidade do jovem médico, os alunos que perderam
aula e terão que fazer a prova dentro de um mês ou até os que farão agora e
perderão a oportunidade de se preparar um pouco mais são tão vítimas quanto a
família do livro.
Já esses jovens invasores
não. Porque num mesmo ambiente de militância, como são essas escolas, há também
aqueles que não se deixam contaminar pela a insanidade. Esses pequenos tiranos
fazem uso de um discurso que legitima seus mimos e arrogância e essa minoria de
bárbaros se acha no direito de decidir o destino de muitos.
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