Quem frequenta redes sociais
e aprecia discussões políticas deve ter percebido uma postura mais aguerrida em
todos os lados do espectro ideológico. São aqueles que defendem – com certo
saudosismo ufanista – alguma intervenção militar, alguns que enaltecem um ideal
de esquerda anacrônico e fracassado historicamente e há, ainda, os que tentam
manter um pouco de sanidade (em ambos os lados, a que admitir) nesse embate. Todos
buscando um Éden para chamar de seu e mostrar que é o conhecedor da verdadeira
felicidade para os demais. E foi nesses extremos ideológicos que fiquei
pensando durante e ao término da leitura do livro O Bosque das Ilusões
Perdidas, de Alain Fournier.
O livro é a obra única desse
escritor, que morreu no campo de batalha durante a Primeira Grande Guerra –
curiosamente num bosque e cercado de mistério, haja vista que seu corpo nunca
foi encontrado – e conta a história de Augustin Meaulnes. Narrada por seu
amigo, François Seuriel, a trama narra a aventura vivida por Augustin ainda em
sua adolescência e que provocou uma busca por toda a sua vida, levando-o a uma
existência aflitiva e angústia aos que o cercava.
Durante uma fuga da escola
(para buscar os avós de François, filho dos donos da escola local), Meaulnes se
perde e vai parar numa misteriosa mansão no meio de um bosque e participa de
uma estranha fresta. Nesse lugar é também onde o jovem se apaixona pela bela
Yvone deGalais, moça misteriosa que cruza seu caminho durante a mágica
aventura. Ao regressar, passa então a buscar obstinadamente o caminho de volta
ao bosque e a mansão onde viveu o momento mais feliz de sua vida. Essa busca
passa a nortear seus anos fazendo com que se torne mais sombrio. O rapaz acredita
que só poderá ser feliz novamente quando encontrar a velha casa e a bela moça
por que se apaixonara naquela noite de mistério e magia.
Não pretendo me alongar mais
sobre o livro para não estragar a leitura de vocês, mas sim da impressão que
essa obra me causou e a que reflexão me levou. A história trata de um jovem que
tem como único objetivo retornar a um lugar mágico e idílico onde acredita está
sua felicidade. Ele passa a alimentar uma fantasia a partir de suas impressões,
formadas, aliás, de poucas informações sobre o lugar, a festa e tudo mais a
respeito do ocorrido. É um jovem que se recusa a aceitar o fato de que a vida
segue e que a felicidade está em como encaramos a realidade, Meaulnes passa os
anos seguintes preso a uma puerilidade, a uma rejeição a um amadurecimento
natural por viver obcecado por um sonho.
Por estar preso a uma busca
onírica, por querer viver preso a um sonho, quando a realidade o assalta e se
depara com o que buscava ao seu alcance, porém, sem a magia de outrora,
Augustin acaba por não vivenciar aquilo que acreditava ser sua fonte para ser
feliz e foge daquilo que tanto desejava. Ao fugir, leva aos que lhe apreiam
também dor e aflição por não entenderem o que poderia ainda faltar ao jovem
sonhador.
Foi essa busca por um
passado idílico, pelo desejo de retorno a uma possível época mais feliz e
mágica do livro que me levou a refletir sobre os atuais embates ideológicos. Em
ambos os lados, vejo pessoas que idealizam o passado, buscam o retorno a uma
época que consideram melhor e mais feliz, uma época onde tudo era mais perfeito
e todos os sonhos eram possíveis. São pessoas que olham para trás com o mesmo
sentimento do protagonista do livro. Acreditam que a festa no bosque (tempos
passados) foi o ápice de sua felicidade e dedicam suas vidas a retornar a essa
mansão onírica onde, acreditam, repousa todo o fim dos infortúnios.
Da mesma forma que ainda há
(mesmo com a ascensão da new left) de saudosos de uma época de luta, quando
ainda vivíamos o calor da Guerra Fria, quando a esquerda ainda possuía certo
charme e a burguesia flertava com ditadores sem abrir mão do conforto
capitalista, que ainda tentam implantar uma ditadura do proletariado e ainda
tentam levantar discursos de lutas de classe, há também o seu antagonismo mais
direto, seu nêmesis, a outra face. São as viúvas da ditadura. Aqueles que
clamam por uma intervenção militar, defendem a ideia de que nessa época – uma época
mágica, onde o país era grande e tudo beirava a perfeição – o país vivia uma
espécie de época áurea, acreditam na sua mansão mágica, no seu bosque perdido.
Ambos ignoram os males de
suas ideias, ambos negam as mortes, a supressão das liberdades individuais,
ignoram o Estado grande, o atraso em relação às grandes nações, ignoram que,
independentemente de quem defenda, uma ditadura é sempre algo abjeto. Em defesa
dos seus sonhos, de suas ilusões perdidas, não olham de forma racional, clamam
algo a partir de emoções distorcidas por uma busca de felicidade perdida, olham
para trás como Meaulnes olhava para a Mansão, para o bosque e para a bela
Yvone: como um sonho mágico, alheio ao mundo real.
Foram eles que me vieram ao
pensamento. Essas pessoas que clamam por uma ditadura para chamar de sua, que
querem – em detrimento de todo avanço (apesar de tudo) que tivemos – viver um
passado que não cabe mais, querem viver uma ilusão por acreditarem nessa busca
pelo Éden perdido nos anos 1960. É lá que buscam sua felicidade. É lá que
acreditam que tudo se perdeu e que deve se voltar para resgatar algo que,
acreditam, foi destruído. Ignoram que não é a busca pelo passado mágico que se
atinge a plenitude e sim vivendo a realidade como ela é e trabalhando para que
um mundo cada vez mais livre venha a tornar-se um mundo real e não apenas mais
um Éden. Até a próxima.
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