A arte é, muitas vezes,
feita de releituras, homenagens e referências e a Literatura, como arte com A
maiúsculo, também se apropria desse mister. Foi isso que pensei ao ler o livro
que é a dica da semana: O Pintassilgo. Uma obra que me tocou profundamente
devido a minha forte identificação com o protagonista, ao pano de fundo usado
(o mundo das artes plásticas e antiguidades) e ao que me pareceu um transitar entre
autores clássicos bem específicos e de enorme relevância para a literatura
universal – Grandes Esperanças de Charles Dickens, Crime e Castigo de Fiódor
Dostoievski e O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde – três grandes pilares da
literatura do final do século XIX (a minha favorita). Então, vamos a ele...
Vencedor do Pulitzer em 2014,
a obra da autora norte-americana Donna Tartt conta a trajetória de Theo Decker,
garoto que perde sua mãe (com quem vivia em Nova York) aos treze anos após um
atentado a um museu durante uma exposição de pintores holandeses. Abandonado
pelo pai e desprezado pelo avô, ele vai viver com os pais ricos e excêntricos
de seu amigo de infância Andy Barbour. Depois de idas e vindas, morando com o
pai alcoólatra em Las Vegas e voltando a Big Apple dois anos depois – após a
morte de seu pai – indo morar com o artesão e amigo Hobbie, o jovem se torna
marchand e sócio do antiquário junto com o restaurador.
Deixando de lado as análises
de especialistas que pipocaram na internet, vou passar as minhas impressões
sobre a obra. No início, o livro soou para mim como um romance de formação.
Durante boa parte do texto vemos o processo de crescimento do garoto no início
da adolescência já passando por um processo de dor e traumas muito fortes. Jogado
de um canto para o outro depois da morte violenta de sua mãe, Theo tem que
aprender a viver no mundo por conta própria: primeiro lidando com a estranheza
e distanciamento dos Barbour, depois com o abandono do pai viciado e jogador.
Ao viver com ele e passar dois anos em Vegas, o aprendizado que o garoto tem é
ao lado de Boris, jovem russo, órfão de mãe e esquecido pelo pai bêbado e que
junto ao protagonista e narrador vagam pela cidade praticando pequenos furtos e
consumindo vodca, maconha e outras drogas. Como muitos livros de Dickens – e o
citado acima – a tragédia marca o processo de formação da personalidade do
personagem, ele cresce com a marca da dor e suas consequências em seu íntimo
moldando o que será o futuro adulto autodestrutivo.
A segunda fase do livro
começa com sua volta a nova York. Theo foge de Vegas e já tem quinze anos. Um
jovem atormentado por um segredo que o persegue desde o atentado no museu.
Orientado pelo antigo sócio de Hobbie, Whelsh, ele rouba o quadro O Pintassilgo
de Cacel Fabritius, pintor holandês do século XVII que morre num atentado igual
ao que matou sua mãe. Atrelando a sua sina com a do pintor (que realmente
existiu, assim como o quadro existe) ele cria uma relação doentia de posse e
culpa entre ele e a pintura e sendo já um delinquente experimentado, o jovem
passa a administrar a loja cometendo golpes em clientes para aumentar o
faturamento. Assim como o protagonista de Crime e Castigo, Theo passa a viver
no limiar da tensão por causa do seu crime – o furto do quadro – e mesmo não
sendo suspeito do seu desaparecimento depois de anos que se seguem ao atentado,
ele vive a paranoia do criminoso e para acalmar seu espírito combalido torna-se
um viciado assim como o pai, que tanto repudiava. A culpa é a fonte da ligação
entre Theo e o quadro.
A terceira e última fase é a
fase adulta do protagonista. Bem sucedido, marchand respeitado, de casamento
marcado com a irmã de seu melhor amigo (já falecido num acidente de barco com o
pai e cuja tragédia também o marca) e mantendo uma vida secreta de viciado e
estelionatário no mercado de antiguidades. Como Dorian Gray, ele usa sua imagem
social como capa para esconder sua real personalidade degradante, viciada e
criminosa. Sem qualquer remorso e usando sua tragédia pessoal como justificativa
para seu comportamento, Theo transita entre o mundo sofisticado dos
colecionadores de arte e antiguidades, sempre dopado e dissimulando sua
verdadeira face.
E assim como Dorian, seu
mundo desmorona e ele se dá conta do rumo que suas ações o levaram quando,
junto com seu melhor amigo Boris – que reencontra já adulto – envolve-se num
assassinato. E assim o jovem marchand tem sua redenção, ao afundar até o
pescoço na lama do crime organizado. E onde entra Schopenhauer, você irá me
perguntar, caro leitor? Bem, durante toda a narrativa fica claro que Theo tem
um espírito próximo daquilo que o filósofo defendia, o seu pessimismo e a visão
de que a vida era um eterno sofrimento e que momentos de felicidade eram
efêmeros e sua paz só vinha através das drogas que consumia. E essa foi a dica
da semana. Até a próxima.
Isso deve ser fantástico. Uma leitura e tanto, daquelas que se termina em algumas horas. Vou procurar por aqui. Abs.
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