IT - QUANDO OS AMIGOS NOS SALVAM



Faz muito tempo, desde a última vez que me pus a escrever sobre livros. O clima geral de tensão, assuntos mais urgentes, efervescência popular nas redes sociais, tudo isso desviou minha atenção não só para este espaço de livros, como da literatura em si. Não que eu tenha abandonado a leitura, apenas mudei o foco das horas com livros. Mas eis-me aqui novamente, retomando velhos gostos, velhas rotinas e velhos laços e isso, meus prováveis leitores (se é que resta algum), tem relação direta com o livro que reinaugura esse humilde blog: a grande obra do mestre Stephen King (não poderia ser com outro), It – A Coisa.

O título narra o confronto entre O Clube dos Perdedores, um grupo de amigos entrando na adolescência, e Pennywise, criatura milenar que desperta a cada 27 anos para matar e se alimentar de crianças, na fictícia cidade de Derry, no Maine. A trama começa em 1958, quando as 5 crianças que formam o clube – assim chamado por serem os excluídos e serem constantemente perseguidos pelos valentões da escola – são assombrados pela criatura em forma de palhaço e que se alimenta do medo dos pequenos. Se separados são vulneráveis, juntos conseguem não só enfrentar Henry Bowers (protodelinquente da cidade e que estuda na mesma escola que os protagonistas), como também derrotam temporariamente Pennywise, na tentativa de vingar a morte do irmão mais novo de Bill Denbrough, “líder” dos meninos.

O livro é longo, mais de 1000 páginas e a narrativa intercala suas vidas adultas – cheias de traumas devido aos eventos – e flashbacks da infância que vão ditando o ritmo da história. Como a criatura sobrenatural desperta a cada 27 anos e não é totalmente destruída em 1958, ainda com 12 anos fazem um pacto de retornar à cidade caso a criatura desperte, o que ocorre realmente. Toda a memória deles dessa época é apagada e vai reaparecendo aos poucos conforme vão se aproximando de Derry (daí os flashbacks intercalados).



Como sempre faço aqui, não pretendo falar muito do livro para não dar spoiler, a proposta desse espaço foi sempre dar as minhas impressões sobre a obra, como me tocou e como pode se conectar com o mundo real e, principalmente essa obra, depois da adaptação para a tv nos anos 1990 e do filme lançado em 2017 (a primeira parte), é meio redundante falar do que ocorre na narrativa. Hoje, prefiro me ater ao que está nas entrelinhas e que é pouco explorado por se tratar de uma trama de terror: a amizade na infância, início de adolescência e como isso marca a personalidade das pessoas.

O que mais me cativou no livro e me causou uma identificação imediata com os protagonistas foi o fato de que eram garotos mais introspectivos, cada um com suas inseguranças (um gago, um gordo, um humorista sem graça, um judeu, um negro, um hipocondríaco superprotegido e uma menina molestada pelo pai) e gostos peculiares e que eram desprezados pelos mais populares da escola. E justamente, pelo fato de suas vidas se cruzarem e começarem a se protegerem mutuamente, isso foi fortalecendo o lado emocional de cada um e essa relação de amizade, de algum modo, fez com que todos se tornassem adultos seguros e bem-sucedidos em suas carreiras. E foi esse laço também que deu força para enfrentarem seus medos, representado na figura do Pennywise e do valentão da cidade, Henry.

Esse vínculo me tocou bastante porque, a seu modo, eu era como esses meninos e também tive um grupo de amigos que separadamente não gravitava entre os mais populares da escola, nos longínquos anos 1980, e foi a casualidade de nossos caminhos se cruzarem nessa fase da vida que fez com que nos moldássemos mais seguros, confiantes, criando uma proteção mútua e uma troca que enriqueceu nossa formação cultural e emocional, tanto que, mesmo quando a vida nos separou para seguirmos em carreira solo, continuamos nos desenvolvendo de forma muito parecida, a despeito da distância e, ao nos reencontrarmos, foi como se os mais de 20 anos não tivessem passado de um fim de semana.

E essa é a tônica do romance que vai além do terror: é um livro sobre amizade, sobre como esses laços afetivos nos ajudam a transpor a fase da infância para a adolescência e depois para a vida adulta, um livro que trata do medo que causa ter que largar o conforto da primeira fase da vida e ao mesmo tempo, como é importante esse salto no escuro da nova etapa. Eu era um dos membros do Clube dos Perdedores e tive 3 grandes amigos que me ajudaram, cada um a seu modo, a me tornar o homem que sou hoje, que estavam lá, ao meu lado, enfrentando os Henry e Pennywise diários nos corredores da Rua Matiola 305, nos já distantes anos de 1980. E com esse sentimento nostálgico me despeço de vocês (não demorarei a voltar) desejando que aproveitem a leitura, fiquem com Deus e até a próxima.


Prof. Kleryston Negreiros

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