TRAINSPOTTING – HÁ UMA LUZ QUE NUNCA SE APAGA




Reencontros com o passado são sempre cheios de simbolismos e emoções diversas e rever velhos amigos proporciona um sentimento nostálgico de que tudo ainda é possível e que o tempo não passou. Alguns anos atrás, uns 5 aproximadamente, reencontrei através de redes sociais meus amigos da época do ensino médio, pessoas com quem convivi durante o dos períodos mais marcantes (pelo menos para mim) na vida de uma pessoa: a adolescência e o fim dela, período de descobertas e excessos, onde moldamos o que seremos na vida adulta, onde tomamos as primeiras grandes decisões de nossa vida.

Curiosamente, na época em que intensificamos o contato, também embarquei na leitura de uma obra que marcou muito esse momento para mim devido à sua adaptação para o cinema: O filme Trainspotting. Vi depois que terminei o ensino médio, já trabalhava, estava no fim da adolescência e seu estilo sexo, drogas e Techno foi impactante. Tardiamente, quase vinte anos depois cheguei ao livro, numa fase de autoanálise e ajudou a me reconectar com quem eu fui e com parte do que fez de mim quem eu sou.

Escrito por Irvine Welsh, o livro aborda o cotidiano de um grupo de jovens desempregados e viciados em heroína na Escócia dos anos de 1980. Com referências à cultura pop e usando uma linguagem pautada na oralidade e vocabulário das ruas, a obra cria uma identidade com o leitor mais jovem, acostumado a essas referências. Girando em torno das tentativas frustradas de Rent Boy de largar as drogas, suas idas e vindas no vício e sua rotina de vadiagem e pequenos golpes, o autor nos brinda com um grupo de personagens de personalidades divertidas e curiosas.

Contudo, por trás de todo o toque de humor empregado por welsh, há uma tragédia e força dramática em suas vidas que nos leva, em dado momento da leitura, à comoção e identificação com esses jovens degenerados e perdidos. Com uma abordagem polifônica – cada protagonista expõe sua dor e ponto de vista – entendemos a angústia de Rent Boy, desprezado pelos pais, comparado a um irmão que o menospreza e sua luta para abandonar as drogas. Nos encantamos com Spud, rapaz tímido e sensível que tenta aplacar sua tristeza com entorpecentes – e que protagoniza um dos momentos mais líricos do livro tendo como trilha a canção dos Smiths que dá título a esta coluna – e até mesmo o devassidão de Sick Boy, mulherengo e promíscuo que usa o sexo casual para disfarçar sua solidão.


Junto a esse caldeirão de personagens marcantes temos como pano de fundo a situação política da Escócia nos anos de 1980. A situação de pessoas desesperançadas pela falta de empregos e oportunidades, a situação política com sua identificação com posições que oscilam entre os separatistas e os leais à Coroa e até mesmo os rachas religiosos, muito ligados a esse separatismo. Um livro bem interessante, aliás, para entender o referendo recente rejeitado pela maioria escocesa anos atrás.


E a cereja do bolo são justamente as referências à cultura pop, principalmente a cena musical britânica. Com citações de canções e artista, o romance tem praticamente uma trilha sonora que vai dos punks de 1977 com os Sex Pistols e Clash à emergente cena eletrônica passando pelo pós-punk e britpop de então. Além disso ainda nos oferece a agenda de eventos que existem até hoje como os grandes festivais de verão que acontecem na Europa e que são celeiro de bandas novas ou a consagração das do mainstream.

Foi uma experiência única me reencontrar com essas canções e essa época que foi tão importante na minha formação juntamente com o encontro de pessoas que também foram importantes para mim numa época em que os laços de amizade são tão dramáticos e definitivos quanto efêmeros por estarmos no início de nossas vidas. Crescemos e mudamos e esse crescimento e mudança também aparecem no decorrer do livro, também aparecem esses laços de lealdade juvenil. Foi um resgate num momento de transformação para uma nova fase da minha vida e o livro com certeza se comunicará com todos. E ficamos aqui com mais uma dica do Professor. Até a próxima e dedico este texto a turma de formandos do Colégio Pio XII de 1994, 3101/3102.


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