VIDAS SEM RUMO - QUANDO A VIDA PERDE SUA INOCÊNCIA



Cresci num bairro pobre, no subúrbio do Rio de Janeiro, e uma das relações mais fortes que existiam na época em que era moleque eram os laços de amizade. A molecada estava sempre junta, fosse na escola ou na rua em que morava. Havia um senso de lealdade e, normalmente, se tinha confusão com um, a confusão era com todos do grupo. Lembro de muitas brigas e arruaças por conta disso. Mesmo que houvesse brigas internas, quando acontecia de um dos nossos passar por problemas, o problema passava a ser de todos. Essas lembranças me assaltaram durante a leitura de uma obra que li por volta de 2015, coincidentemente terminado no dia da notícia da morte de um amigo dessa época e que me deixou muito emocionado. Um livro que trata disso: lealdade, amizades fortes e proteção mútua numa vida juvenil pobre e hostil. O livro? Outsiders - Vidas Sem Rumo, de Susan E. Hinton.

Publicado em 1967, quando Hinton tinha apenas 16 anos e inspirado nas histórias de um amigo, o livro narra o amadurecimento de Ponyboy, adolescente morador de um bairro pobre e sua relação com seus irmãos (Sodapop, do meio e Darry, o mais velho e responsável pelos dois menores) e amigos da vizinhança conhecidos como Greases. E toda a trama acontece no período de uma semana na vida do garoto quando é atacado por membros de um grupo rival - os Socs - e durante mais uma briga entre eles, Ponyboy e seu melhor amigo Johnny matam um dos membros da gangue (na verdade quem mata é Johnny) levando os dois a fugirem. Durante todo o desenrolar da narrativa, o rapaz vai amadurecendo devido às adversidades culminando na morte de seu amigo ao tentarem salvar algumas crianças numa igreja em chamas.

A obra é um livro de transição. Como foi dito acima, Ponyboy vai começando a entender o mundo que o cerca à medida que as coisas vão acontecendo. Ao conhecer Cherry, namorada de Bob (o Soc assassinado), descobre que a vida também apresenta desafios, desilusões e dificuldades aos rapazes do lado rico da cidade e que não há muita diferença entre os dilemas dos mais pobres como ele e os mais ricos. Quando volta depois de cinco dias fugido após o assassinato, percebe quanto o melhor amigo de Bob também está com medo do que pode acontecer e pela primeira vez percebe que a linha social que separa os dois grupos é mais elástica e difusa do que eles pensavam.

Além dessa percepção, o garoto começa a entender as razões do seu irmão mais velho, Darry ser tão duro com ele e tão frio. Acreditando-se um estorvo em casa e que ele não o ama mais, após a morte dos pais, ele não se dá conta de que medo que o mais velho tem de perder a guarda dos irmãos e como tenta fazer com que a vida do mais novo, mais inteligente e sensível dos três possa ser melhor do que a que eles têm, faz dele alguém muito mais amadurecido para a pouca idade (tem apenas 20 anos). Só perto do fim o caçula percebe o esforço conjunto dos irmãos para criá-lo, entende porque seu irmão do meio abandonou os estudos e passa a respeitar e também compreender as razões do primogênito. Ponyboy vai crescendo aos poucos. Seu amadurecimento acontece à medida que tudo acontece, vê o quanto desperdiça sua vida com delinquência, sendo ele um menino brilhante, entende os vínculos afetivos que se formam na dor e desespero e, acima de tudo, mostrar a força da amizade e lealdade entre seus pares.

Esse é o ponto forte do livro. Mesmo sendo centrado na vida de Ponyboy e seu despertar para a maturidade, a lealdade e os laços firmes de amizade é que saltam aos olhos e o que fica no fim das contas. Todos os amigos estão sempre juntos, cresceram juntos, estão a todo momento se protegendo e no momento mais difícil, que é na morte do atormentado e solitário Johnny, eles se unem em torno do garoto. Mas, o mais tocante momento desse sentimento que permeia a obra é a morte de Dallas. Membro do grupo, delinquente profissional e que ajuda os garotos a fugirem e se esconderem, Dallas é o mais próximo e quem mais protege Johnny. Com sua morte fica claro que a vida de um só tem sentido com o outro, haja vista a idolatria deste para aquele. Com a morte de Johnny, Dally perde a cabeça, entra em desespero e num último ato, provoca a própria morte por não ver mais qualquer sentido na sua vida sem o seu melhor e talvez único amigo.

Um livro forte e emocionante, principalmente para quem tenha vivido num bairro pobre como o do livro ou tenha tido laços de amizade como esse desses meninos. E quando você pensa que a qualquer momento um desses amigos pode partir de forma trágica, você com certeza vai reavaliar suas convicções quanto a estar com os seus.
E essa foi a dica da semana, que eu gostaria de dedicar aos meus velhos e mais próximos amigos que cresceram comigo no meu bairro e em especial ao Léo, que partiu de forma trágica e triste num fatídico janeiro de 2015, que ele tenha encontrado a paz que não teve nesse plano. Até a próxima.

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