A desgraça alheia sempre
causou fascínio nas pessoas. A fofoca, calúnia, o disse-me-disse sempre foi o
assunto preferido da vizinhança e sempre rendeu histórias interessantes tanto
que, com o advento dos reality shows, programas de auditório que exploram as
mazelas dos mais humildes e as redes sociais, a infâmia atingiu seu apogeu. E
se alguém brilhante, inteligente, que soubesse como ninguém ler a mente das
pessoas (um psicólogo, por exemplo) e tivesse paciência e meticulosidade para
usar essa máquina da injúria para destruir um desafeto? O que essa pessoa seria
capaz de fazer? E se bastasse fazer com que acreditassem que alguém (um homem
principalmente) cometesse algum crime, mesmo sem provas, ou provas forjadas, se
bastassem as palavras de uma mulher vitimada (mesmo não provada), mas de
caráter dúbio e com deliberada intenção de destruir um homem, por puro desejo
de vingança? Eis o que nos traz a dica de hoje, Garota Exemplar.
A obra da jornalista norte
americana Lillian Flynn, lançado em 2012 e adaptada para o cinema dois anos
depois, foi laureado por sua trama surpreendente, cheias de reviravoltas e por
mostrar quão extremados podem ser os atos de um casal que passa a se odiar e
como pode ser contundente e destrutiva a vingança. Não pretendo falar da obra
em si porque teve sucesso tanto no cinema quanto na literatura e a sua
narrativa é bem conhecida (ou pelo menos deveria). Um ponto que nenhuma crítica
se empenhou em observar na época de lançamento do livro e do filme e que é
crucial para o desenrolar da narrativa é como a imprensa e as mídias podem ser
o céu e o inferno na vida de alguém e como a justiça e opinião pública, com o
avanço do politicamente correto, transformaram uma proteção em máquina de destruir
reputações masculinas.
Realmente o livro é
impactante. A trama tem a qualidade de agradar a leitores iniciantes e
iniciados, vou me explicar: para leitores mais acostumados a tramas de
suspenses, fica claro desde o início (um pouco de spoiler) que o marido Nick
Dunne é inocente. Com duas vozes paralelas – a dele contando o que aconteceu a
partir do desaparecimento da esposa, Amy Elliot Dunne, e a dela através de seu
diário que vai contando como se conheceram até seu desaparecimento. Uma vida
perfeita, um casal perfeito, uma mulher perfeita. Chegamos a acreditar nas
evidências de que ele é realmente o culpado e ver por quanto tempo ele
sustentará a farsa. Assíduos desse tipo de narrativa percebem que tudo é uma
mentira contada por ela e o que prende ao livro e descobrir como Amy consegue
criar uma cena de crime tão perfeita que o seu esposo não consegue se
desvencilhar. Para leitores menos experientes, mesmo esses mecanismos não dão a
pista de que a jovem é a vilã da história. Ponto para autora que sabe prender
vários tipos de leitores, porém esse não o meu ponto de vista e que me chamou a
atenção no romance, vamos a ele.
A forma como Amy deixa as
pistas leva todos a suspeitarem de seu marido, como já foi dito. Mas a vida de
Dunne começa a desmoronar quando cai na mídia e a imprensa começa a acompanhar
todos os rumos da história. Acampam na frente de sua casa para manter a atenção
dos espectadores, fazem especulações e inflamam a já delicada situação.
Apresentadores sensacionalistas se aproveitando de todo o clamor popular
começam a tomar partido e o que era a vida pacata de um homem comum vira um
inferno de invasão de privacidade e destruição de reputação.
Mesmo quando a esposa volta
e muda todo o rumo da narrativa (outro spoiler), a mídia televisiva e da
internet tentam tirar proveito. Uma fala que descreve bem o que está
acontecendo é a do advogado que, num dado momento, diz que os argumentos de Nick
não dão tv boa, ou seja, não jogam a opinião pública e os possíveis juízes no
seu provável julgamento a seu favor.
Sendo jornalista, a autora
conhece bem esse meio. Nós, como consumidores de mídias também e somos ávidos
por histórias empolgantes e sórdidas, faz-nos ver como nossas vidas no fundo
são boas. E essa imprensa sensacionalista que vive de escândalos é mostrada de
forma como realmente é: não importa quem diz a verdade, o que importa é uma boa
fofoca, que venda e dê audiência. A protagonista é uma psicóloga metódica e
disciplinada, ela conduz nós, leitores, e jornalistas a acreditar e a odiar seu
marido. O advogado, sendo o melhor nesse tipo de caso – conflitos conjugais que
terminam em crime – também conhece esses profissionais e faz o protagonista ser
admirado e perdoado. Quando Amy volta (mesmo com uma história com furos) e reata
com seu esposo, ambos se tornam os queridinhos da América. É uma crítica
contundente tudo isso. A autora usa a trama para mostrar como existe e funciona
essa indústria da infâmia que alimenta sites e revistas de fofoca, programas
que exibem o pior das relações humanas, Flynn expõe o lado negro do quarto
poder.
E eu fiquei pensando nesse
livro durante esses dias ao ver o filme (confesso que pela primeira vez) e
acompanhar um tanto dispersamente o caso do estupro do Neymar. Sem fazer
qualquer defesa ou apologia ao menino Ney (nem simpatizo com ele, aliás), acho
inclusive que ele foi no mínimo ingênuo – para não dizer burro – de cair numa
armadilha dessas. O que me reportou ao caso foi o fato de que ele não é o
primeiro a cair nesses golpes oportunistas de mulheres que querem se favorecer
às custas de famosos e, ao não conseguirem seu intento (um casamento ou pelo
menos um filho – o mais fácil), partem para a vingança usando toda a máquina
jurídica e de mídia contra o infeliz.
Ao fazerem uso de maneira
premeditada de legislações que protegem as mulheres e do senso comum e
politicamente correto de que o homem é a personificação e que qualquer mulher
estará sempre acima de qualquer suspeita, elas acabam destruindo a reputação de
homens públicos ou nem tão renomados assim. É comum vermos casos de denúncias
de estupros ou agressões que levam muitas vezes homens corretos que só não
quiseram continuar uma relação, talvez, e só depois de algum tempo, no decorrer
do processo, descobre-se que a denúncia foi falsa, mas já tendo destruído a
vida do sujeito, seja famoso ou não.
Mas o pior de tudo isso é o
efeito colateral dessas denúncias falsas, principalmente as cercadas de
sensacionalismo. Devido ao crescente número desse tipo de denúncia, o que passa
a acontecer é que essas ferramentas de proteção das mulheres, que são
relevantes – não desconsideremos que existem muitos indivíduos merecedores de
muita porrada pela forma como tratam suas companheiras, sujeitos que mereciam
serem empalados por cada porrada dada numa mulher – perdem a confiança da opinião
pública. Para cada denúncia falsa desse tipo (considerando que no momento desse
texto, o Neymar ainda está sob investigação) todo o aparato da justiça deixa de
ser direcionado a quem realmente precisa e no caso de pessoas públicas, faz com
que essas notícias percam sua importância.
Eu poderia ficar horas aqui
enumerando casos de denúncias falsas e como isso se assemelha ao enredo do
livro, mas por hora, deixo a dica de leitura, o toque para possíveis leitoras
para que sejam mais responsáveis e cuidadosas nas suas escolhas – a começar
pela escolha do parceiro – e para os possíveis leitores que mesmo não sendo o
Neymar, devem ficar espertos com as garotas exemplares que podem cruzar seu
caminho. Até a próxima.
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